sexta-feira, 25 de junho de 2010

Ganho secundário

Talvez Violeta não tenha amigos pela impossibilidade de comunicação. A garotinha já está acostumada com discriminação e parece não sentir a falta de crianças. Basta-lhe correr na praia, sentir o cheiro do mar de Boa Viagem e ficar na oficina do avô organizando sua coleção de tocos de lápis de cor. Seus pensamentos são sua maior companhia. E como gosta de subir naquela goiabeira do quintal... Lá é o seu observatório e lugar de indagações. Sempre leva duas ou três bonecas e enquanto lhe faz tranças observa tudo que se passa na rua; sente-se grande, poderosa. Pode espiar o gestual da fofoca das vizinhas da rua do lado, o cachorro rasgando o jornal que o entregador acabou de atirar da bicicleta, o verdureiro chegando com um troço estranho na boca que parece um funil grande. Pra que será que serve esse treco? Ele encosta na boca, logo depois tira e daí aparecem pessoas. Igual o homem do algodão doce. Por quê? Mas apesar da curiosidade ela não faz todas as perguntas ao seu avô. Prefere guardar como charadas e ir decifrando aos pouquinhos.
Hoje ela acordou animada, gosta de dias de vento, é quando os moleques saem para soltar pipas. Daquela altura da goiabeira, escondida entre os galhos ela se sente grandiosa quando só ela sabe onde de fato uma pipa caiu. Esta hora é a mais divertida. Sente-se detentora de um saber que não “pode” comunicar. E se diverte na vingança de saber, só ela, quando um grande cachorro de boca aberta está do outro lado do muro pronto para latir ou morder os intrusos. Ela pode ver tudo com seus olhos alertas! Só desce da árvore quando lhe fazem um sinal. Agora é hora de tomar banho. Que menina tranqüila, fica um tempão lá em cima, tadinha – comenta a empregada. Realmente ela é calma, esquece da vida enquanto desenha sobre o vidro embaçado de vapor.
Depois do almoço ela tem uma tarefa especialmente chata, hoje. Seu avô vai receber compradores e ao invés de ajudá-lo nas cerâmicas – ela tem muita habilidade e prazer em manusear a argila - terá que brincar e distrair as crianças. Dim dom, chegaram. Violeta sabe o que é ficar roxa de raiva, cerra os punhos quando tem medo ou raiva. Já lhe explicaram que seu nome pode significar roxo ou lilás, que é a cor do sorriso, ela tem raiva e vai encontrar um jeito das crianças ficarem brancas de medo. Antes do avô ir tratar de negócios com o casal, ele apresenta o quintal para as crianças e faz sinal para que a neta ofereça goiabas a elas. Era tudo o que a pequena queria: uma boa idéia. Ela sobe nos pequenos galhos e alcança goiabas com bichos e oferece às crianças que reclamam na primeira mordida: que nojo! Você não sabe pegar uma boa? Parecendo resignada com a ordem das crianças, faz sinal para esperarem e astutamente sobe entre os galhos e de lá passa a atirar diversas goiabas sem conseguir acertá-las. As crianças riem dela, muito, e muito, e gargalham... Violeta enfurecida enche a mão com as maiores goiabas, aquelas molinhas já comidas pelos passarinhos, azedas com um cheiro que dá nojo, cheiro de coisa passada. Ela preferia atirar aquelas verdes e pequenas que ardem na pele, mas as moles e podres são melhores, elas espatifam. Com uma pontaria certeira enfim, alcança em cheio as crianças que correm sujas e melecadas para dentro da casa gritando pelos pais. A mãe consolando-as explica a dificuldade da netinha do senhor João de entender as brincadeiras. Nesta hora a menina entra com ar de ninguém me entende... E senta-se para assistir um desenho.

Frase secreta: Parece, mas não é.


Escrevi esse texto baseada na personagem criada por Marion Hesser, no nosso curso de escrita criativa na Casa do Saber, sob a orientação da professora Noemi Jaffe, neste mês de junho.
NOME: Violeta
PROFISSAO: -
IDADE: 7 anos
FAMILIA: mora com o avô em Recife.
CARACTERISTICAS: alta para idade que tem, olhos alertas e cabelos escuros. habilidosa com as mãos, consegue correr muito rápido, não tem amigos.
DOENÇA: surdez
MANIAS: desenhar durante o banho, com os dedos, na janela embaçada de vapor / fazer trança em suas bonecas / colecionar tocos de lápis de cor
SONHO: ser arquiteta
HABITOS: apontar lápis de cor / treinar a caligrafia
TIQUE: cerra os punhos quando sente medo

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