sexta-feira, 18 de junho de 2010

No trampolim

Entrei para um curso de escrita criativa. Esta é minha primeira lição.
Restrições: não pode conter a palavra "que", nem o verbo ser. Tem que ser uma descrição sobre o que antecede o pulo de um trampolim. Este trampolim não pode ser metafórico.
Boa leitura!

Não imagino como vim parar aqui em cima. Maldita aposta! Onde estava meu juízo quando me propus a pular caso perdesse? Por certo me forçariam a cumpri-la de qualquer modo. E agora estou aqui com meus dedos já para fora da tábua, enquanto as palmas dos pés escorregam de tanta água. Qual água poderia molhar a tábua, aqui no alto? Suor, evidentemente... Outra coisa está quase saindo: meu coração quase pulando fora do peito. Pensando bem não cogitei a possibilidade de perder essa aposta. Só contei com a chance de ganhar. Afinal em uma aposta se contássemos com as duas chances (vitória e derrota) talvez pensássemos melhor e nem nos arriscaríamos. A aposta em si tem um poder: alguém sempre paga. Se a aposta fosse gente, ela seria a ganhadora, em síntese. Nossa quanta bobagem na minha cabeça! Defesas, defesas, defesas diante desta “beiradinha chacoalhante”. Por isso me enrolo em discursos mentais, verdadeiras caraminholas elucubrativas. Mas agora já está feito! Estou aqui e devo encarar minha sentença. De morte? Por certo não. De vida? Talvez se puder aproveitar o pulo, a liberdade do meu corpo flutuando no ar, despencando como num abismo ao encontro de um “solo” fluido e fresco. E não é um bom pensamento esse? É! Achei a solução. Se eu inclinar a minha cabeça um pouquinho pra frente e soltar os ombros, daí talvez o peso dela puxe o resto e eu despenque gostoso sem perceber. Só preciso lembrar de levantar a mão e tampar o nariz antes de cair na água. Terei tempo de pensar nisso? Eu não podia ter perdido aquele jogo...
Agora me vejo aqui aflita nessa experiência ridícula e solitária, dependendo somente de uma coragem inexistente, ainda. Volto para a idéia de despencar solta a favor da gravidade; esta experiência inédita é demais desafiante. Não aguento mais relutar aqui, mas se topei essa aposta é porque de fato queria desafiar meus limites. Devo ter perdido essa aposta de propósito. Um belo boicote à minha razão; em sã consciência jamais me daria ao luxo de me atirar daqui. Os gritos da plateia interrompem essas últimas frases mal balbuciadas e clamam o cumprimento do trato. Então vamos lá. Sobe o frio na barriga e para baixo quando olho tudo se embaralha, meu estômago gira e um nó na garganta aparece quase me sufocando. Coração e ar brigam pelo espaço da laringe. Tortura tem preço e masoquismo tem medida. Chega, lá vou eu, encolhida não consigo contar até três. No número dois alguém me empurra.

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